‘O futebol é adoecedor’ – Ceará Notícias


Yuri Alberto terminou a última temporada com prêmios empilhados e como o principal artilheiro do Brasil. Seus gols lhe tornaram unanimidade entre os corintianos. No entanto, nem sempre foi assim. O atacante passou meses sendo duramente criticado e cobrado por torcedores e até pelo ex-técnico Mano Menezes, que o chamou de burro. Sentia-se humilhado e sufocado e não sabia mais o que fazer para se reerguer profissionalmente até que procurou ajuda psicológica. Rosana Costa, então, surgiu na vida do atacante.

Foi a psicóloga. acostumada a atender jogadores de futebol, uma das responsáveis por reanimar o jogador e fazê-lo entender que o futebol não é a vida do atleta, mas uma parte dela. “O futebol é um ambiente adoecedor”, reflete em entrevista

Tem muita cobrança, de fora e dos próprios atletas. Nunca é suficiente o que o atleta faz, ele sempre precisa fazer mais e melhor. O futebol não vê a pessoa, vê o produto e o quanto que ele pode render financeiramente. De alguma forma, isso adoece os atletas. É um ambiente extremamente ansiolítico, depressor

Rosana Costa, psicóloga

Rosana fala com propriedade, já que é casada há 32 anos com alguém que jogou bola profissionalmente. Ela é mulher de Rubens Barbosa Souza, o Índio, ex-defensor de bom nível técnico com passagens por Palmeiras e Santos, entre outros clubes, na década de 1990. Quando jogava, ele sofreu crises de ansiedade e teve de abreviar a carreira, encerrada aos 29 anos. Sua condição estimulou Rosana a estudar psicologia. Na faculdade, seu trabalho de conclusão de curso foi sobre depressão e ansiedade na transição de carreira de um jogador.

“Ah, se eu tivesse uma psicóloga como ela na minha época muita coisa teria sido diferente”, imagina Índio, hoje com 57 anos, quase 30 anos depois de parar de jogar. “No clube, o pessoal só vê o atleta, não a pessoa, o ser humano. Essa área da psicologia é que consegue enxergar o ser humano”.

Rosana diz atender 10 jogadores de futebol atualmente. Fizeram terapia com ela, além de Yuri Alberto, Raphael Veiga, protagonista no Palmeiras, e Rodrygo, astro do Real Madrid e da seleção brasileira. Os três falaram publicamente da importância de cuidar da saúde mental e até mencionaram o trabalho da terapeuta. Isso tem ajudado a reduzir o preconceito que atletas ainda têm em fazer terapia.

“Quem comanda a perna para dar um chute é o cérebro. Não dá pra separar o corpo e a mente. Tirar esse preconceito só beneficia os atletas

Rosana Costa, psicóloga

Só que o tabu ainda existe porque não são muitos os jogadores de futebol que cuidam do cérebro como cuidam do corpo. “Vi o Richarlison falar, o Cássio, o Ronaldo Fenômeno… Alguns atletas realmente falam, mas são poucos. É uma margem pequena”, constata ela.

Além disso, não são todos os clubes das Séries A e B que têm psicólogo no seu quadro de profissionais. A seleção brasileira, para piorar, ficou uma década sem terapeuta, e só voltou a ter esse profissional no ano passado, quando Dorival Júnior assumiu o comando.

“A gente vê esse movimento e fica feliz, mas ainda vê atletas falando que ficam longe da psicóloga no clube porque acham que ela vai contar as demandas deles para o treinador. Eles têm a impressão ainda de que o psicólogo que está no clube vai fazer leva e traz, que está trabalhando junto com a comissão técnica, com o presidente”.

“O caminho ainda é longo”, resume Rosana. “No futebol, precisa haver um grande acontecimento, um atleta sair da humilhação para a exaltação, para os jogadores olharem e falarem: realmente a terapia faz sentido?”

Fico feliz de participar de um momento histórico que estamos vivendo. Essas grandes conquistas emocionais dos atletas favorecem para mudar esse cenário, mas a gente precisa de mais atletas falando, mais atletas se transformando emocionalmente e levantando a bandeira para vencer o preconceito.

Rosana Costa, terapeuta

Os quatro pontos da terapia com jogadores de futebol

Rosana explica trabalhar, sobretudo, quatro pontos em suas consultas com jogadores de futebol:

  • Resgate da identidade: “O jogador se descaracteriza na sua identidade, ele acredita que é aquela pessoa aclamada pelo público, né? Ele internaliza tanto aquilo que nem consegue se ver de outra forma. Então é importante resgatar a identidade de lembrar quem ele é fora das quatro linhas. Porque o atleta não é só jogador, ele é filho, é marido, pai e amigo. O futebol é o trabalho, não é toda a vida dele”.
  • Característica de jogo: “Geralmente eles chegam infelizes por não estar tendo uma boa performance, e aí você vai olhar, eles já perderam a característica de jogo porque tinham uma característica que se destacou ali na base, mas chega no profissional e tem de se adequar ao treinador. Aí vem um treinador, vêm dois, vêm três, vêm quatro, e ela fica sempre tentando se adequar a cada treinador. Quem sou eu? O que eu gosto de fazer? Quais são as minhas potencialidades? Isso é uma coisa para se refletir.”
  • Autoconfiança: “Se o atleta não estiver dentro da minha essência, daquilo que eu faço de uma forma leve, automática, tranquila, feliz, não vou ter autoconfiança, porque vai errar pra caramba. Vai errar pra porque não está fazendo aquilo que gosta e que tem confiança em fazer. E quanto mais ele erro, mais mina a minha autoconfiança.”
  • Deslumbre: “Tem o deslumbre, o ‘eu tenho controle de tudo, eu sou o cara’. Essa autoconfiança tem que ser na medida, porque senão, se o atleta não tem controle total do seu corpo, vai se lesionar, e o corpo é o instrumento de trabalho dele. Não vai poder ajudar o time no momento em que ele mais precisar. Tem que ter consciência de que não tem controle de tudo e de que ele, em alguns momentos, vai ter de abrir mão de coisas importantes e manter os pés no chão”.

Rosana pontua que a psicologia esporte mudou e evoluiu muito, na sua visão. “Antes, tinha muito essa coisa de motivar o atleta, ajudando ele com visualizações, alta performance. Hoje, o psicólogo do esporte entende que o atleta é uma pessoa também”, diz ela, destacando que o jogador tem como ser humano antes de tudo. “A psicologia do esporte vê o atleta de maneira integral como não via há 10, 15 anos. Hoje, esse profissional tem condição de prestar um serviço mais dedicado à pessoa, mais amplo”.

A religião pode ser importante em períodos sufocantes. Foi a fé, por exemplo, que ajudou Índio a não ter algo mais grave que as crises de ansiedade. Mas se apegar apenas na espiritualidade, como fez Endrick, pode ser nocivo. No ano passado, o jovem astro do Real Madrid, que é evangélico, disse dispensar terapia porque Deus e a família cumprem esse papel.

“Quando ouço que ‘Deus é psicólogo’ penso que falta pro jogador informação, entendimento, saber separar uma coisa da outra”, analisa a terapeuta, especializada em atender atletas e também casais.

“A fé ajuda, mas entregar tudo pra religião, esse pensamento de “se não der certo é culpa de Deus, se deu certo também foi Deus”, não é saudável. Ele se exime da responsabilidade que é dele, não tem nada a ver com Deus. É o quanto o jogador treinou, se dedicou, está confiante, está focado, concentrado. Espiritualizar tudo e acreditar que tudo está nas mãos de Deus é adoecimento mental também. Se o jogador for bem, ele precisa se dar os créditos. Se for mal, tem que se responsabilizar”.

Para Índio, o jogador vai à terapia, às vezes, com uma visão tampada, sem conseguir enxergar o caminho. “Ele não entende o que tem que fazer e esse trabalho da psicologia traz essa luz”./AE

(Foto reprodução)

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